Os negacionistas brasileiros não desistem nunca
Grupo arrebanhado por professor de Alagoas volta a mandar carta ao governo pedindo inação climática já
CLAUDIO ANGELO
DO OC
A cada sete anos, uma perturbação climática nada natural causa um aquecimento temporário das redes sociais para em seguida se dissipar no oceano da irrelevância acadêmica. O pequeno, mas valente grupo de negacionistas climáticos do Brasil voltou nesta semana a enviar uma carta para o governo federal demandando “inação climática já!” Eles argumentam que não há evidências “físicas” da influência humana no clima global, que essa hipótese causa um “risco às políticas públicas” e o governo deveria investir dinheiro para pesquisar coisas mais relevantes, como o que aconteceu com o clima 2,6 milhões de anos atrás.
A carta é assinada por 20 pessoas que o site “Notícias Agrícolas” chamou de “cientistas brasileiros”, liderados pelo meteorologista Luiz Carlos Molion, professor aposentado da Universidade Federal de Alagoas. É endereçada, com esperança, ao ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que tem sistematicamente manifestado que o aquecimento global é uma discussão “acadêmica”.
“As posições manifestadas por V.Exa. em diversas entrevistas, antes e depois de assumir o Ministério do Meio Ambiente (MMA), reforçam a expectativa de que a sua gestão possa representar uma guinada determinante na orientação da política ambiental brasileira”, escrevem os missivistas.
O grupo enxerga no negacionismo enrustido de Salles uma oportunidade de emplacar sua agenda e de finalmente triunfar sobre “o poderoso movimento ambientalista internacional” e “grande parcela da mídia”.
Em 2012, às vésperas da conferência sobre desenvolvimento sustentável Rio +20, esse mesmo grupo ficou ouriçado com a declaração da presidente Dilma Rousseff de que energias renováveis eram “fantasia” (uma clara demonstração de que a ignorância é suprapartidária) e lhe mandou uma carta quase idêntica, demandando que o governo brasileiro aproveitasse o encontro da ONU para alarmismo “apear do seu pedestal de privilégios imerecidos” o “alarmismo ambientalista, em geral, e climático, em particular”.
A carta contém uma série de erros conceituais e factuais, bobagens científicas, violações da lógica e contradições (leia o o texto de Alexandre Araújo Costa nesta página). Mas a primeira coisa que chama atenção é o baixo grau de expertise da maioria de seus autores no tema que eles se propõem a criticar.
Em justiça ao grupo de Molion, diga-se que ele cresceu: em 2012 eram 18 assinaturas e em 2017 já são 20 – um crescimento de 11%, maior que o do PIB do Brasil no período.
Nessas duas dezenas de bravos há 6 geógrafos, 4 meteorologistas, 3 geólogos, 3 físicos, 1 agrônomo, 1 biólogo, 1 engenheiro eletricista e 1 jornalista. Apenas seis, com boa vontade, têm alguma especialização em climatologia, tendo publicado trabalhos científicos na área – quase todos em periódicos brasileiros de baixo impacto e sem citações em bases de dados globais, como a Scopus e a Web of Science, ou a brasileira Scielo, usadas como referência pelo CNPq (Conselho Nacional de desenvolvimento Científico e Tecnológico). O número de citações em outros trabalhos é métrica relevante da influência de um artigo científico.
O campeão absoluto nesse quesito é o próprio Molion, que, segundo reportagem do jornal Folha de S.Paulo, hoje ganha dinheiro dando palestras a sojicultores do Cerrado brasileiro dizendo que a mudança climática não existe. Ele teve mais de 200 citacões na Scopus e na Web of Science em três artigos em que aparece como coautor em grupos internacionais (nenhum liderado por ele, porém). José Carlos Parente de Oliveira, professor aposentado da Universidade Federal do Ceará, tem duas dezenas de citações em trabalhos liderados por ele sobre física de nuvens (ele não tem nenhum trabalho acadêmico sobre climatologia propriamente), e Rômulo Paz, duas citações em dois artigos sobre balanço radiativo do Nordeste que publicou simultaneamente num periódico americano.
Nove dos missivistas não tem nenhuma publicação acadêmica em nada parecido com climatologia ou meteorologia; destes, quatro (Fernando de Mello Gomide, João Bosco, Geraldo Luís Lino e Richard Jakubaszko) não possuem sequer currículo registrado na Plataforma Lattes, a base nacional de cientistas do CNPq. Um quinto, Thiago Maia, que se descreve como “mestre e doutor em física nuclear”, não pôde ser encontrado com essas especificações no Lattes – mas mantém um blog que denuncia o “terrorismo climático”.
Dois pesquisadores do grupo, os geógrafos Ricardo Felício (USP) e Daniela Onça (UFSC), publicaram trabalhos sobre aquecimento global no obscuro periódico Fórum Ambiental da Alta Paulista, que já teve a ambos no conselho editorial. Felício, o famoso “cético do programa do Jô”, foi candidato a deputado pelo PSL e chegou a frequentar as rodas de conversa como possível nome para o Ministério do Meio Ambiente.